A vida secreta dos recém-nascidos

(Texto escrito em 15 de janeiro de 2015, no auge do desespero pós-parto. hahaha)

Você já viu um recém-nascido? Já? Mas será que viu mesmo? Aceito "sim" como resposta apenas de
quem é mãe (ou pai). Okay, de enfermeiras, pediatras e babás também. De obstetras também, e olhe lá. Do restante, vou logo dizendo: não, você nunca viu um recém-nascido. E isto vale para os que já foram diversas vezes visitar bebezinhos, para os que tem sobrinhos, para as que viram "de perto" a prima ou a amiga criar seu bebê, enfim, para todos aqueles que juram que sabem do que se trata um bebê que acabou de fazer sua estreia no mundo. (E não vou nem mencionar os que acreditam já terem visto um recém-nascido porque "viram nas revistas, na televisão ou nos filmes", porque o caso desses é ainda mais grave.)
 Eu não achava que já tivesse visto um recém-nascido antes, porque na verdade nunca tinha nem parado para pensar no assunto. Foi só quando me entregaram minha filha nos braços, já limpa do sangue mas ainda coberta por algo meio esbranquiçado, olhos inchados e fechados, minúscula e toda encolhidinha, que considero que realmente vi um recém-nascido pela primeira vez. E olha que eu já havia assistido os vídeos dos nascimentos de minhas duas sobrinhas e visitado uma porção de bebezinhos.
 O caso é que o que você vê nos vídeos e também na casa das pessoas que você vai visitar é uma parte muito pequena do que é um recém-nascido: um bebê pequeno, vestido em roupinhas fofas dormindo um sono plácido - e só. E isso é só a ponta do iceberg. Ou melhor, do gelinho, já que estamos falando de algo tão pequenininho.
 O que ninguém vê é que os recém-nascidos são essas coisinhas fofas e cheirosinhas que choram, reclamam, dormem muito, é verdade, mas também resmungam, abrem a maior boca para mamar, mamam com a fúria de quem nunca havia sido alimentado na vida (a minha parecia que estava 9 meses sem comer!), tem os bracinhos e perninhas bem mais finos do que o imaginário coletivo julga, não param quietos na hora da troca de fralda e às vezes mechem tanto os bracinhos enquanto dormem que você não tem outra opção senão concluir: esse quando crescer vai ser guarda de trânsito.
 Mas por que é que ninguém vê os recém-nascidos? Eis algo no qual eu nunca havia parado para pensar: porque eles ficam sempre escondidos. Pense comigo: num dia que você leva sua vida normal, sai de casa, vai a diversos lugares, volta, liga a tv, assiste coisas etc, quantos recém-nascidos você viu? Zero. Mas a população continua aumentando então obviamente eles estão por aí - mas não às vistas da população.
 O caso é que os recém-nascidos não podem - nem devem - sair de casa antes de tomar a primeira bateria de vacinas - e já se vão aí 3 bons meses. Depois, se saem de casa, será sempre bem cobertos e mutio rapidamente. Se vamos os visitar, o bom senso nos manda fazer isso muito brevemente porque não queremos incomodar a nova mãe (certíssimo). E se os vemos na tv, pode saber que são bebês muito maiores fazendo papel de recém-nascidos - o que também faz o maior sentido. Afinal, qual mãe em sã consciência emprestaria seu filho que acabou de vir ao mundo para uma coisa dessas? Ou seja, onde ficam os recém-nascidos? Escondidos dentro de seus quartos, rodeados e protegidos por mães (e por vezes avós, enfermeiras e babás) zelosas. E fim, já que muitas vezes até os pais são banidos do território.
 Enfim. Acho que esta é a razão pela qual as mães de primeira viagem assustam tanto assim que tem seus bebês: porque esse é o momento quando finalmente elas tomam conhecimento do que é um bebê que acabou de nascer em sua mais crua - e incrível - realidade. E não é que nunca te contaram do que se tratava aquilo antes. Até contaram. Mas esse é aquele tipo de coisa que você realmente precisa ter a experiência para que a ficha caia.
Logo, por que o segundo filho é sempre mais fácil de criar do que o primeiro? Porque quem cria o segundo já faz parte do clube privado dos que sabem o que se passou na vida secreta dos primeiros.

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