O telefone que não toca


Em tempos modernos, ser ignorada ficou mais duro. Antigamente, se saíamos de casa o problema do silêncio ensurdecedor do telefone se acabava pelo menos por um tempo - ele poderia vir a ligar enquanto estivéssemos fora. Passeávamos saltitantes pelas ruas imaginando se talvez o telefone não estivesse tocando naquele exato momento. Hum, talvez agora. Ou agora. Vai saber. E assim podíamos seguir dia afora com o coração ainda cheio de esperanças. A secretária eletrônica veio e alterou o cenário: se chegávamos em casa e a luzinha vermelha não estava piscando significava que ninguém havia ligado ... A não ser que, claro, talvez ele fosse muito tímido ou tivesse problemas em ter a própria voz gravada e tenha se recusado a falar com uma máquina. Sim, só podia ser essa a explicação. Imaginávamos então por que cargas d'água ele não quis deixar uma mensagem, e ainda o que será que ele achou da nossa voz na mensagem gravada na secretária. Será que ele gostou da minha piadinha? Será que ele entendeu? E ainda era possível seguir suspirando pelos cantos. Então veio o bina, marcando implacavelmente cada ligação feita ou recebida. Aí acabou a desculpa. É chegar em casa e conferir o aparelhinho. Nenhum número novo? É, querida. Ele não ligou. Mas talvez ele não tivesse ligado porque sabia que estaríamos fora, certo? Claro. Só pode ser isso. Ele sabia que esse era o meu horário de trabalho, da ginástica, da massagem, do curso de sapateado ou da aula de javanês. Então, é claro que não ligaria mesmo. Ligaria na minha casa para quê, se eu não estaria lá para atender? E então, veio o celular. Para não deixar margem para nenhuma desculpinha esfarrapada, por melhor formulada que elas fossem. Se antigamente podíamos nos conformar imaginando que talvez ele ligaria enquanto estivéssemos fora, o celular é o verdadeiro instrumento de tortura. É o telefone que nos acompanha aonde quer que vamos, e que geralmente permanece ligado dia e noite. Ele não ligou? É porque não quis. Pronto. A dura verdade, nua e crua, ecoando em nossos ouvidos a cada momento de silêncio. Mas e se ele perdeu meu número? E se ele anotou errado? E se ele morreu? É. Em tempos de e-mail, sms, skype, msn, orkut, facebook, myspace, google, lista telefônica online, bancos de dados virtuais, companhias telefônicas moderníssimas, celulares que não saem mais de área e ainda o velho e bom correio, se ele não deu sinal de vida deve ser por isso mesmo: porque morreu. Ou pelo menos assim deseja que você acredite.

Comentários

  1. Esse post me lembra um trecho do livro "Ele simplesmente não está afim de você".
    Em que os autores do livro colecionam os argumentos que comprovam que o cara não está a fim de você e um deles é: se não tiver nada no seu celular ou na sua cixa de e-mail, ele não morreu, o fato é que ele sinmplesmente não está a fim de você! rs

    Beijos

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  2. A realidade é dura... kkkkk
    Beijos,

    Lori

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  3. Amiga, a verdade doi, ne?
    Lembrei daquela historia do meu ultimo amor despedacado....
    rs
    bjs

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  4. Simone,

    Adorei o texto.

    Lu.

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  5. Oi, Lu! Que bom ver você por aqui! E que bom que gostou do texto. Volte sempre! Risos
    beijo

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  6. Olá, Flor! A verdade dói mesmo, e acho que é justamente por isso que a gente acaba arranjando tantas "desculpas" para evitar encarar os fatos. E aquela sua última história... grrrr... só de lembrar já fico com raiva do indivíduo!
    Beijos!

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  7. Hey chica! A verdade é realmente dura, mas ainda é melhor do que uma mentira mole... Kkkkkkkk

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  8. Oi, Tahiana! De fato, eu falei esse negócio sobre "e se ele morreu" baseada, não no filme, mas no livro que deu origem ao filme. O "He´s just not that into you", que é super engraçado, bom de ler mesmo que a gente não tenha levado um fora. = )

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