Entrevistamos Gustavo Tardelli

Pensar para preservar
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O debate ambiental é atual e tem se espalhado pelos mais diversos campos. Entretanto, que tipo de conhecimento é preciso ter para ser capaz de realmente fazer algo pelo planeta? Esse mês, Gustavo Tardelli nos fala de forma descontraída sobre este importante tema.
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Entrevista concedida a Simone Lemos Póvoa



Info: Gustavo Tardelli, 29 anos, é engenheiro ambiental formado pela USP. Atualmente trabalha como auditor da CGU em Brasília.









Como anda sua consciência ambiental? Você tem separado seu lixo? Tem tentado passar menos tempo embaixo do chuveiro? Preocupa-se em tirar da tomada os aparelhos que não estão sendo utilizados? Leva sua própria sacola ao supermercado na hora de fazer as compras? Se sua resposta a essas perguntas foi negativa, atenção: suas atitudes estão fora de moda!

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Foi-se o tempo em que a preocupação com o meio ambiente era coisa restrita aos participantes de movimentos radicais “verdes”. Hoje, essa conversa é com todos nós. A questão ambiental está, finalmente, recebendo no Brasil a atenção merecida. O expressivo número de votos recebido por Marina Silva nas eleições deste ano é um bom indicador. Mas existem outros. Dos pequenos grupos ambientalistas surgidos nos anos 70 passando pelas ONGs dos anos 80 chegando à recente participação do Brasil no IPCC (Intergovernamental Panel on Climate Change), o debate da preservação e conservação ambiental nunca esteve tão em voga. Tanto está, que até mesmo a engenharia resolveu pensar o assunto.
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É sabido que a economia mundial sempre foi uma das forças motrizes da degradação ambiental, principalmente em se tratando de perda de florestas e dos gases despejados na atmosfera por conta de veículos e fábricas. Por isso, é interessante ter uma parte da classe profissional que sempre promoveu o desenvolvimento e modernização voltando-se agora também para o meio ambiente. É o que fazem os Engenheiros Ambientais. Em outras áreas, inúmeros outros profissionais hoje também trabalham a questão ambiental. Entretanto, a engenharia tem um diferencial: seus profissionais não filosofam sobre problemas – eles os resolvem.
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É sobre isso que nos fala este mês Gustavo Tardelli, o engenheiro ambiental de 29 anos que atualmente trabalha como Auditor da Controladoria-Geral da União em Brasília. Formado pela Universidade de São Paulo (USP) e amante de praias, cachoeiras, montanhas e viagens, entre outras coisas, Gustavo Tardelli nos conta um pouco sobre o papel importante que o engenheiro ambiental vem a desempenhar num mundo que precisa deles como nunca.


O curso de engenharia ambiental é um curso relativamente novo. Quando surgiu? O que estuda?


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“Criar soluções é a missão principal da engenharia.”


É verdade, a Engenharia Ambiental é um curso muito recente no Brasil. Na realidade, a Engenharia já estudava muitas questões que, hoje, estão compreendidas na esfera de atuação e estudo da Engenharia Ambiental. No entanto essas questões eram abordadas separadamente por diferentes áreas da engenharia (civil, elétrica, química, minas...), cada uma qual buscando soluções para problemas ambientais causados por seus produtos/processos, ou seja, cada um descascava seu abacaxi. Por exemplo, a engenharia civil já abordava o tratamento de água e esgotos. Os problemas ambientais foram ganhando importância e os estudos sobre o tema começaram a revelar a complexidade dessas questões, até que chegou um momento em que não teve jeito, surgiu a necessidade de um profissional engenheiro que entendesse do conjunto desses problemas e tivesse conhecimento técnico sobre sua dinâmica para criar e conciliar soluções. No Brasil, esse profissional foi registrado oficialmente no ano 2000: é o engenheiro ambiental.
Bom, criar soluções é a missão principal da engenharia, então, nesse sentido, engenharia ambiental não difere das outras. Para conciliar soluções é preciso explorar um campo, até então, pouco contemplado nas escolas de engenharia, a Gestão.
Para ficar mais claro, as matérias básicas (primeiros dois anos de faculdade) são comuns a todas as engenharias (basicamente, matemática, física e química), as matérias técnicas da engenharia ambiental são correlatas à engenharia civil e engenharia química (mecânica dos corpos rígidos, mecânica dos fluidos, mecânica dos solos, resistência dos materiais, topografia, química orgânica, química inorgânica, hidráulica, hidrologia, saneamento, tratamento de águas residuárias, geotecnia....) e, minoritariamente, a outros cursos (toxicologia, microbiologia, oceanografia física, climatologia, geologia, meteorologia....) e, por fim, as matérias de gestão são bem variadas e relacionadas especificamente com os problemas ambientais (gestão de resíduos sólidos, gestão de recursos hídricos, sociologia e ciência política, direito ambiental, poluição atmosférica, modelamento matemático de sistemas ambientais, avaliação de impactos ambientais, administração...)



Por que você decidiu fazer esse curso? Qual o principal diferencial dele?

“O mais importante em um curso de engenharia (talvez em todos os cursos superiores) é a formação, não a informação.”

Eu já era estudante de engenharia quando fiz essa opção, então, os motivos pelos quais escolhi fazer engenharia ambiental estão mais relacionados às circunstâncias daquela época. (Caramba, "daquela época"... Não faz tanto assim, rs...) e às minhas impressões sobre o curso e o mercado profissional. A história é assim: já estava concluindo o terceiro ano de engenharia civil quando percebi meu crescente interesse pelas matérias de solos (mecânica dos solos, geologia...) de e fluidos (hidrologia, hidráulicas, saneamento, mecânica dos fluidos....) ao mesmo tempo descobri que não gostava tanto das matérias de transporte (pavimentação, projeto viário,...), as minhas notas nas provas de resistências dos materiais (estruturas) tinham me feito perder o romantismo pelo assunto e quanto às matérias de técnicas construtivas, essas nunca me interessaram. Quando refletia sobre as possibilidades de atuação profissional, a prática da engenharia civil me parecia cada vez menos empolgante. Naquele ano foi formada a primeira turma de engenharia ambiental da Poli (Escola Politécnica da USP), um curso novo que abordava com maior profundidade as matérias que eu gostava da engenharia civil e, no lugar das que eu não gostava, tratava de temas que sempre achei interessantes. Além disso, percebi que o curso me possibilitaria uma atuação profissional diferente daquele estereótipo de engenheiro civil. Então não tive dúvidas, aliás, mentira. Tive sim, várias, mas depois de muito refletir, decidi pela ambiental, e fui muito feliz.
Olha, a abordagem da Gestão é um diferencial do curso com relação às demais engenharias (exceto a de produção, que também tem um foco muito forte em administração), mas não considero que isso seja algo decisivo, pois a maioria dos estudantes que se formam nas boas escolas de engenharia, independente do curso, vai trabalhar em bancos, consultorias, ou em outras empresas que não são de engenharia. Ou seja, vão trabalhar na área administrativa, e isso tem uma explicação: os bons cursos de engenharia exigem muito esforço e dedicação. Diante de tanta pressão, você aprende a tirar leite de pedra para conseguir aprovação nas matérias. Além da complexidade das matérias, há o "aprendizado anal", você passa no mínimo cinco anos tomando no **, chega uma hora que você aprende a se virar. Acho que esse é o melhor aprendizado de gestão que existe.
Há uma expressão traduz bem essa relação: "Quando o ** aperta, a mente abre".
O que considero ser, realmente, o diferencial da engenharia ambiental é a multidisciplinaridade. Estudar matérias que, tradicionalmente fazem parte de cursos distintos, e o contato com os respectivos professores, agrega um aspecto muito importante na formação, uma capacidade de compreender, ainda que superficialmente, diferentes pontos de vista com o propósito de conciliá-los em torno de uma solução. Lembro de sair de um laboratório de biologia, ir para uma aula de oceanografia e depois matar aula de sociologia para fazer um relatório de um laboratório de hidráulica!
Quando entrei na faculdade, pensava que ia aprender tudo sobre como projetar e construir coisas. Lá pelo meu 3º ano de curso, vi que as coisas não eram exatamente como eu imaginava. Depois que me formei, percebi que o mais importante em um curso de engenharia (talvez em todos os cursos superiores) é a formação, não a informação. O que realmente importa são as habilidades que você desenvolve durante os anos de faculdade. Nesse sentido, um curso de engenharia ambiental é muito interessante, pois além do "aprendizado anal" e o desenvolvimento do senso analítico, inerentes às engenharias, o curso agrega algo muito valioso à formação do aluno, que é a capacidade de análise multidirecional, de compreender diferentes interpretações de um mesmo sistema, fato, ou fenômeno. Sinceramente, acho que a engenharia ambiental desenvolve mais habilidades úteis ao exercício profissional da diplomacia que um curso de relações internacionais, com todo respeito e ressalvas devidas (estou falando de formação/habilidades, não de informação/conhecimento). Penso que as pessoas devem valorizar a formação durante a época da faculdade, porque informação você pode adquirir depois.



De que forma um engenheiro ambiental contribui para o bem estar do planeta?

“O pragmatismo da engenharia e o foco nos resultados e custo-benefício são predicados muito importantes, pois as questões ambientais são, freqüentemente, tratadas com elevado grau de emoção, ideologias, e amadorismo. "

Muitas áreas do conhecimento e atuação profissional já contribuem para a preservação da qualidade ambiental: biologia, pedagogia, geologia, direito, geografia, geologia, química, arquitetura/urbanismo, agronomia e etc.. A engenharia ambiental é mais um ator nesse processo de busca pela melhoria da qualidade ambiental. O que a torna importante são as características intrínsecas à engenharia, que são as seguintes: busca de soluções, pragmatismo/visão analítica, indissociável consideração acerca do custo-benefício, focar o resultado. O papel da engenharia ambiental é de criar, viabilizar e conciliar soluções para problemas ambientais, monitorar, avaliar, mitigar os impactos ambientais, um papel importantíssimo. O pragmatismo da engenharia e o foco nos resultados e custo-benefício são predicados muito importantes, pois as questões ambientais são, freqüentemente, tratadas com elevado grau de emoção, ideologias, e amadorismo.
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Por que você foi trabalhar no Governo Federal? Você aplica seus conhecimentos no dia-a-dia do seu trabalho?


"Quando se trata de auditar obras o mais comum é fazer pesquisas sobre o assunto e recorrer à bibliografia de engenharia civil, o que tem sido um ótimo aprendizado."

A decisão de trabalhar no governo foi uma decisão profissional e também pessoal. O mercado profissional para engenheiros ambientais é muito bom, oferece várias oportunidades em diferentes áreas de atuação. No entanto, assim como ocorre em quase todos os ramos profissionais, as melhores propostas concentram-se, pelo menos no início da carreira, na cidade de São Paulo. Eu já tinha vivido seis anos lá, tempo que considero suficiente para conhecer o que a cidade tem de bom e de ruim. Já era hora de mudar. Isso foi um motivo importante, pelo lado pessoal, para que eu procurasse outras oportunidades. Profissionalmente, a decisão não foi propriamente trabalhar no Governo Federal, mas trabalhar na CGU. Sempre tive uma certa vocação pela área pública, tanto que pensei até em ser milico quando ainda estudava no Colégio Militar de Brasília... A área pública é muito grande e diversa e não pode ser vista como algo uniforme. Existem ótimos lugares (e remunerações) para se trabalhar e outros bem ruins. Quando decidi trabalhar no governo, já tinha em mente os locais que me interessavam (Agência Nacional de Águas, Controladoria-Geral da União, Tribunal de Contas da União, Agência Nacional do Petróleo, Banco Central).
Brinco dizendo que aprendi mais sobre a prática de engenharia na CGU do que na USP... Na coordenação onde trabalho a maioria dos colegas são engenheiros e tenho a oportunidade de acompanhar de perto obras de infraestrutura hídrica, a maioria no interior do nordeste, inclusive as obras de transposição do Rio São Francisco. Em algumas oportunidades aplico conhecimentos específicos de engenharia ambiental, mas confesso que não ocorre com muita frequência. Quando se trata de auditar obras, o mais comum é fazer pesquisas sobre o assunto e recorrer à bibliografia de engenharia civil, o que tem sido um ótimo aprendizado.



Por onde alguém que tenha se interessado pela profissão pode começar?
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“A engenharia ambiental é uma excelente opção, mas quem estiver interessado deve saber de antemão que não se trata de uma ´gincana’ em prol do meio ambiente."

Primeiramente, para que tem interesse, posso dizer que é uma excelente opção: é difícil ver alguém [na engenharia ambiental] arrependido ou infeliz. É um curso muito interessante!
Agora respondendo a pergunta: por uma boa escola. Isso é importante para qualquer profissão, mas para engenharia ambiental é fundamental.
A multidisciplinaridade que envolve as questões ambientais permite que "todos tenham voz" quando o assunto é meio ambiente. Isso é positivo, num primeiro momento, mas o que se constata na prática é um nível de amadorismo muito grande. Mesmo num contexto profissional, o que não falta é gente dizendo verdadeiros absurdos como se fossem experts no assunto. Afinal, todos querem "salvar o planeta". Além disso, é fácil "vender" um curso que não agrega formação nem informação, pois existem relativamente poucos profissionais verdadeiramente capacitados. A engenharia ambiental é uma excelente opção, mas quem estiver interessado deve saber de antemão que não se trata de uma "gincana em prol do meio ambiente". Fazer, por exemplo, simulações matemáticas de decaimento de poluentes em corpos hídricos e transporte de poluentes em maciços rochosos envolve conhecimento muito técnico. Não é só dizer "Viva o verde".
Aconselho o curso da Escola Politécnica da USP, da Escola de Engenharia de São Carlos – USP e Universidade Federal de Viçosa.
Desconfio muito da qualidade e utilidade desses cursos de Gestão Ambiental, mesmo os de instituições renomadas. Não vejo como alguém pode gerir algo sobre o qual não tem conhecimento, com todo respeito.
Uma vez vi uma gestora ambiental dizer que tudo que é ambiental é social... Olha, é claro que as atividades antrópicas degradam o ambiente natural e que a qualidade ambiental é pensada sob um paradigma humano, um paradigma social, mas não vejo o que de social existe em uma análise de ciclo de vida e desempenho ambiental de produtos, ou no cálculo da taxa de decaimento da demanda bioquímica de oxigênio de um lago, ou em uma remediação biológica de solo contaminado, etc.

Comentários

  1. adorei o post,estou mudando de curso! saindo do bacharelado em química(UnB) para engenharia ambiental(UFT); aflita com a mudança, e ganhei mais confiança com o que li! aliás, sou ex-aluna do colégio militar de brasília, feliz coincidência!

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  2. Olá Stephanie! Que bom que meu post te foi útil! É com esse intuito mesmo que escrevo o blog. Obrigada pela visita e sempre que quiser voltar... entre sem bater! = )

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